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Posicionamento do FórumDCNTs ao Veto Presidencial ao Projeto de Lei 6330/2019

No dia 14/09, o Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil encaminhou uma carta ao presidente da república e a deputados federais se posicionando e compartilhando recomendação quanto ao projeto de lei 6330/2019, também conhecido como "Lei da Quimio Oral".

Abaixo leia a carta na íntegra.


Posicionamento do Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil ao Veto Presidencial ao Projeto de Lei 6330/2019


Excelentíssimo Senhor Presidente da República Jair Messias Bolsonaro

Excelentíssimos(as) Senhores(as) Deputados(as) Federais


O Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil (FórumDCNTs), iniciativa proposta desde 2017, reúne as cem principais organizações não governamentais (ONGs), empresas da área de saúde, universidades e órgãos governamentais para enfrentamento à principal causa de mortes no país, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Dentre essas doenças inclui-se o câncer, uma doença crônica de alta prevalência e morbimortalidade, bem como ao estigma social, que causa alto impacto na qualidade de vida da população acometida.


Sendo assim, o FórumDCNTs vem através desta manifestar-se acerca da recente decisão em relação ao projeto de lei 6330/2019, que versa sobre a dispensação de medicamentos antineoplásicos orais com cobertura de seguradoras de saúde. Mais especificamente, sobre o veto presidencial. Para isso, reunimos representantes dos diferentes setores que compõem o Grupo Temático de Oncologia do FórumDCNTs, assim como membros das nossas Comissões Organizadora e Consultiva para produzir o posicionamento abaixo.


  1. Da natureza do câncer


Ressaltamos que “câncer”, ou neoplasias, é um termo utilizado corriqueiramente para designar um conjunto de doenças que podem ser muito diferentes entre si, com tratamentos e expectativas de desfecho diferentes. A incidência de cânceres vem aumentando no planeta, e estima-se que em breve superarão doenças cardiovasculares em mortalidade (Bray e cols. 2021).


Para exemplificar as diferenças entre os diferentes cânceres, citamos os carcinomas diferenciados de tireoide, que têm excelente sobrevida quando o indivíduo é submetido à cirurgia e reposição do hormônio tireoidiano por meio da administração diária de Levotiroxina sódica, uma medicação de baixíssimo custo, em dose tal que impeça a proliferação de células tireoidianas (Schlumberg e Leboulleux, 2021). Comparativamente, alguns tipos de câncer de mama metastático apresentam benefício com o uso de medicações chamadas de inibidores da ciclina, que podem apresentar custo por volta de trinta mil reais mensais. Desta forma, faz-se fundamental considerar e incorporar os tratamentos necessários para as diferentes apresentações desta condição.


  1. Da vida humana e ética médica


O Código de Ética Médica, em seu capítulo 1, artigo V, reforça que compete ao médico usar o melhor do progresso científico em prol do paciente, e em seu artigo XVI versa que nenhuma disposição de instituições públicas ou privadas devem limitar a escolha para a execução do tratamento. Desta forma, uma vez que para determinados tipos de neoplasias a quimioterapia oral seria a melhor escolha para aquele caso, esta não deve ser limitada por motivos que não sejam estritamente técnicos e objetivando o melhor desfecho e bem estar do indivíduo.


Considerando os cânceres como condições tempo-sensíveis, quanto menor o tempo decorrido a partir do diagnóstico para o início da terapia, maior a chance de desfecho satisfatório e aumenta a qualidade de vida. Considerando que muitas das prescrições médicas de antineoplásicos são levadas à esfera jurídica para que sejam cumpridas via liminares, o próprio tempo decorrido entre a prescrição e a dispensação do medicamento, bem como o desgaste decorrente dos trâmites legais, potencialmente levam à piora da qualidade de vida e agravamento do quadro. Podemos considerar, então, que limitar o acesso dos indivíduos à quimioterapia oral tendo por base puramente o custo, sem sequer levar em consideração outros aspectos de benefício e efetividade, não pode ser considerado ético.


  1. Do veto presidencial


O veto presidencial expõe que a falta da aprovação dos antineoplásicos orais pela ANS antes de sua dispensação colocaria em xeque a previsibilidade e transparência do processo, bem como a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. É louvável a preocupação, uma vez que em um sistema que não seja sustentável, o cuidado pode ser interrompido sem prévio aviso.


Porém, conforme mencionado anteriormente, câncer é uma entidade que engloba uma constelação de condições diferentes. Desta forma, muitos dos tratamentos antineoplásicos orais podem ser custo-benéficos e custo-efetivos, além de que muitos cânceres não dependeriam desse tipo de tratamento. Conforme palavras do próprio Excelentíssimo Senhor Presidente da República, “o projeto de lei é muito bom”, desta forma, uma discussão aprofundada deveria ser considerada antes do veto total.


Quanto ao repasse de custos das seguradoras de saúde aos beneficiários, também é uma preocupação real. Entretanto, ao se considerar avaliar corretamente o impacto da equidade em saúde, é importante também observar o impacto de políticas de saúde de forma desagregada, uma vez que para determinados grupos o próprio repasse de custo pode não ser determinante, em se considerando as diversas estratificações de planos de saúde. Além disso, o veto desse tipo de projeto acaba por levar aqueles que precisam desses medicamentos aos tribunais e os custos muitas vezes são, por fim, assumidos pelo sistema público de saúde.


  1. Outras disposições


Considerando os aspectos éticos e econômicos dos quimioterápicos orais, sugerimos que o veto seja revisto e, caso julgue-se necessário, que análises mais aprofundadas do impacto da inclusão das medicações nos planos de saúde sejam feitas. Estas deverão incluir avaliações de custo-efetividade - para avaliar os ganhos em saúde em relação ao custo financeiro -, custo-utilidade - avaliação dos resultados que combinem qualidade de vida e sobrevida em relação ao custo - e custo-benefício - comparação monetária do custo da intervenção em comparação com os benefícios, por exemplo, de menor chance de internação por complicações decorrentes das neoplasias.


Enfatizamos sempre a relevância da participação da sociedade civil - em especial de associações de pacientes e de sociedades médicas - nesses debates, assim como sua participação em processos decisórios. O FórumDCNTs reforça que a formação de grupos de trabalho com representantes dos diferentes setores, conforme já foi realizado em diversas outras oportunidades, é salutar e tende a fortalecer as decisões tomadas. Essa diversidade é essencial para que as intervenções sejam desenhadas de forma a estabelecer, manter e fortalecer os determinantes estruturais de saúde, bem como suprir as reais necessidades e contar com o amplo apoio da sociedade.


Agradecemos mais uma vez de forma respeitosa pela cordial atenção e apreciamos contar com um retorno de Vossas Excelências. Colocamo-nos à inteira disposição para auxiliar nas ações para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil.


Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil (FórumDCNTs)



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