Tratar a saúde da pessoa como um todo e não em partes e investir na Atenção Primária da Saúde foram os principais pontos discutidos no debate
O Fórum DCNTs promoveu no dia 30 de setembro um debate ao vivo sobre a prevalência do colesterol alto na população e os impactos da dislipidemia no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. De acordo com o estudo “Global Burden of Disease” (2019), aproximadamente 400 mil pessoas morrem por ano no Brasil em decorrência da doença cardiovascular (DCV), sendo que 61% dessas mortes são por infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico, causados pela doença arteriosclerótica, cujo principal fator de risco modificável é o colesterol LDL. O que impressiona é que 80% desses casos poderiam ter sido prevenidos. Por isso, o objetivo central do evento, moderado pela Patrícia de Luca, cofundadora do FórumDCNTs e CEO da Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (AHF), foi identificar modelos sustentáveis para o controle dessa doença na atenção primária e firmar compromisso entre os diversos setores da saúde para melhorar a prevenção. (Confira todos os vídeos do Evento aqui).
Na abertura, a Sra. Fernanda Oliveira (foto ao lado), gerente de Doença Aterosclerótica na Novartis, falou sobre a importância de incluir ações de controle do LDL nos programas nacionais de combate às doenças cardiovasculares, cujo enfoque atualmente está centrado na hipertensão e no diabetes. “Nosso objetivo é incluir nessa agenda uma estratégia de saúde populacional em escala voltada para o controle do LDL por se tratar de uma medida simples, modificável e com alta resolutividade”, declarou. Fernanda ressaltou que é preciso unir forças para lidar com problemas complexos e programas fragmentados. “Por isso, discussões como essas que o FórumDCNTs está promovendo são muito necessárias. Criar oportunidades para modelos estruturados, descobrindo soluções em conjunto é essencial”, frisou.
O Sr. Gustavo San Martin, fundador e diretor executivo da Associação Crônicos do Dia a Dia (CDD) e da Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), destacou que o colesterol elevado é o principal fator de risco para entupimento das artérias e atinge de 4 a cada 10 pessoas no Brasil. “Um simples exame de sangue é suficiente para identificar a dislipidemia. Mas a constatação do colesterol alto é só o primeiro passo para o controle. Precisamos incentivar mudanças de qualidade e estilo de vida”, disse. Gustavo também ressaltou que para pessoas com condições crônicas, como a hipercolesterolemia, o tratamento envolve medicamentos, ou seja, não é possível controlar apenas com a alimentação saudável e a prática da atividade física. O problema é que nem todas as pessoas entendem isso e suspendem o tratamento medicamentoso.
A Dra. Glaucia Moraes (foto acima), professora permanente da Pós-Graduação de Cardiologia da UFRJ e Profª Associada de Cardiologia do Dep. de Clínica Médica da UFRJ, apresentou dados sobre a morbimortalidade precoce da dislipidemia e chamou a atenção para um ponto importante: a prevalência da DCV e a morbimortalidade é maior entre as mulheres até 2011. E a partir de 2011, houve um aumento de DCV entre homens e mulheres jovens na faixa etária de 20 até os 49 anos.
Ela também destacou dados de 1990 até 2019 do estudo “Global Burden of Disease”, que mostram que o colesterol alto é o terceiro principal fator de risco que contribui para morte por DCV em homens e o quarto em mulheres. Ela afirmou ainda que a causa das doenças cardiovasculares é sempre multifatorial e que, por isso, é necessário intervir olhando para a pessoa como um todo, controlando os oito fatores de risco, mas incluindo outros cuidados, como o sono saudável, que se tornou recentemente uma meta a ser atingida. “O sono saudável se tornou uma meta para ser atingida para todo esse complexo de saúde que precisamos oferecer para as pessoas”.
Na sequência, Dr. Eduardo Nilson, pesquisador na Fiocruz e associado ao Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde - Nupens/USP, trouxe para discussão os fatores de risco dietéticos que têm relação direta no desfecho de doenças cardiovasculares, como o consumo de bebidas açucaradas, alimentação com baixo teor de fibras e altas quantidades de gordura trans e sódio. “As ações de âmbito coletivo têm maior impacto na redução desses desfechos e precisam ser incentivados”, disse Dr. Eduardo. Ele citou como exemplo o Guia Popular da Alimentação Brasileira, que leva informação de qualidade ao consumidor para que ele possa fazer boas escolhas, priorizando alimentos frescos e minimamente processados. “O Guia também é indutor de políticas públicas que influenciam os ambientes alimentares, uma vez que recomenda o cuidado com a preparação culinária com uso moderado de gorduras, óleos, sal e açúcar”, disse.
Como exemplo exitoso foi a resolução publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para restrição da gordura trans industriais em alimentos, pois não oferece nenhum valor nutricional. Outro exemplo positivo é a rotulagem frontal, que entra em vigor no dia 09 de outubro, e traz o símbolo em forma de lupa para alimentos com excesso de sódio, gordura saturada e açúcar. “Entendo que o papel do indivíduo é importante e necessário. Nesse sentido, temos como desafio fortalecer a educação alimentar e nutricional, com maior redução do consumo de nutrientes críticos e alimentos ultraprocessados. Em paralelo, é preciso ampliar as políticas já existentes e implementar novas políticas regulatórias e fiscais, entendendo que o acesso a alimentos saudáveis passa pela redução de preço e também de regulação a publicidades principalmente voltadas para o público infantil”.
Sr. Alessandro Chagas (foto ao lado), assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), ressaltou 03 desafios na Atenção Básica Brasileira. O primeiro deles é o excesso de cadastros que existe na rede pública, mas que não oferece os dados adequados para tomadas de decisão. Para ele, o prontuário eletrônico pode ser uma solução, “mas ainda é está longe de ser implantado”. O segundo desafio é colocar as DCNTs como foco do tratamento e da prevenção, pois atualmente o modelo da atenção primária está voltado para as doenças infecciosas e organização por doenças. “Por fim, o terceiro desafio é ampliar a cobertura da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS), que atualmente é de 60%. Enquanto país e sociedade, temos que fazer os investimentos devidos para qualificar a Atenção Primária e atingir 100% da cobertura”.
Sr. Alessandro comentou um dos pontos levantados pela Dra. Glaucia: a necessidade de incluir a qualidade do sono entre as estratégias de combate às DCV. “O desafio só aumenta, pois o Brasil voltou para o mapa da pobreza, registou aumento de vulneráveis em situação de rua, além de outras questões trazidas pela pandemia. Estamos com um problema grande nas mãos, mas acredito que a Atenção Básica de Saúde pode ser uma saída para resolvermos parte desses conflitos”.
Continuando o debate, Dr. Eduardo Macário (foto acima), superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina e membro do Conselho Consultivo do FórumDCNTs, apresentou algumas ações que o Estado está tomando para melhorar a saúde cardiovascular da população, dentre elas: implantação da linha de cuidados para DCNTs como hipertensão, diabetes e obesidade; apoio à promoção da saúde e divulgação de dados epidemiológicos. Para ele, o maior desafio é implantar política pública de enfrentamento do colesterol do ponto de vista coletivo e citou a implementação da ferramenta PACK-Adulto na APS.
Dando sequência à discussão sobre melhores práticas para prevenção e cuidados de dislipidemia através da Atenção Primária, Sra. Kátia Audi, coordenadora na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), compartilhou as experiências da saúde particular. Ela ressaltou que “a dislipidemia tem grande impacto negativo sobre o risco cardiovascular” e que o modelo de atenção tem que ser centrado nas necessidades do beneficiário e da família. “Precisamos mudar o nosso olhar e quebrar o paradigma de só tratar a doença para começar a cuidar da saúde”, declarou.
O debate foi bastante rico, abordando pontos sobre as formas de estratificar os riscos populacional e individual para atuar de forma mais específica, além de utilizar a tecnologia para levantar dados que possam ajudar a elaborar as políticas públicas mais assertivas. Todos os especialistas trouxeram reflexões importantes sobre como implementar programas e políticas de saúde que melhorem a prevenção primária e secundária de condições cardiovasculares e dois pontos foram consenso: o sistema de saúde atual está organizados por doenças, quando deveria centrar mais no indivíduo. “Precisamos cuidar da saúde integral das pessoas e não em partes delas”, defendeu Sr. Alessandro Chagas.
Para além de sensibilizar os indivíduos de alto risco, o ideal seria investir em educação para crianças e adolescentes, começando, por exemplo, com a inclusão de uma disciplina sobre saúde nas escolas. “Criança é o maior propagador da venda da saúde para a família”, declarou Dra. Gláucia Duarte. A educação desde a infância é a melhor forma custo-efetivo para prevenir DCNTs no futuro. O FórumDCNTs agradece a participação de todos, palestrantes e participantes, pelo alto nível do debate e espera que os insights levantados durante o debate possam gerar frutos positivos para a sociedade.
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