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Pessoas com doenças crônicas não transmissíveis enfrentam barreiras para boa assistência

Existe uma grande lacuna entre o que as diretrizes brasileiras preconizam para o cuidado das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como as cardiovasculares e o câncer, e o que de fato está sendo entregue na ponta dos serviços públicos de saúde. Entidades participantes do FórumDCNTs, Umane e Vital Strategies, se manifestaram a respeito da falta de assistência.


Do acesso e cadastramento na atenção primária à saúde, passando pela falta de equipes multidisciplinares e dificuldade nas consultas especializadas até a própria adesão das pessoas ao tratamento, os desafios para o atendimento das pessoas mais vulneráveis à Covid-19, são inúmeros.

O diagnóstico é de um novo relatório do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas Públicas) e da Umane, associação civil de apoio a projetos sociais voltados à prevenção de doenças e promoção da saúde, que envolveu revisão de estudos e entrevistas com gestores públicos, profissionais da saúde e usuários do SUS.

Segundo o relatório, a pandemia trouxe mais desafios no segmento das pessoas que convivem com uma DCNT. Grupos de tabagismo e promoção de vida saudável, por exemplo, tiveram ações descontinuadas, e as pessoas se afastaram das unidades de saúde.

Na avaliação de Luciana Sardinha, assessora técnica de saúde pública e epidemiologia da Vital Strategies e que atuava no Ministério da Saúde até 2020, o país já vivia uma epidemia de doenças crônicas —78% das mortes estão relacionadas a elas.

Com a desassistência provocada pela pandemia, a situação piorou. Muitas pessoas que tiveram COVID-19 estão com sequelas há mais de um ano que podem se tornar duradouras. O país enfrenta também um apagão de dados sobre fatores de risco que levam às doenças crônicas.


No relatório, foram identificados ao menos sete problemas que afetam hoje a linha de cuidados das pessoas que vivem com condições crônicos, que envolve toda a trajetória dentro do sistema de saúde:

1) Gargalos de acesso ao SUS impedem que os usuários façam rastreio e tratamento das DCNT na atenção primária. Por exemplo: baixa cobertura do programa saúde da família ou horários de funcionamento inviáveis para quem trabalha durante o dia.

2) Faltam profissionais e treinamento para a atuação em equipes multiprofissionais no SUS. Além disso, o governo federal extinguiu incentivos e agora está a cargo dos municípios a contratação de profissionais de especialidades diversas. 3) Não há uma coordenação entre os diferentes níveis de cuidado, o que prejudica o acompanhamento das pessoas que vivem com DCNTs. Essa ausência de informações aumenta o risco de condutas “às cegas” e sobreposição desnecessária. 4) A maioria das pessoas não está sendo acompanhada. Por exemplo: o país não passou da marca de 4% de acompanhamento de pessoas com hipertensão com pressão aferida a cada semestre e solicitou a avaliação da hemoglobina glicada de apenas 10% de pessoas com diabetes no último quadrimestre de 2020. 5) Muitas pessoas que vivem com DCNTs não estão cadastrados em equipes da atenção primária à saúde. Hoje há 87 milhões de cadastros, quando o ideal seria 150 milhões. A ferramenta é essencial para ter o controle do número de pessoas que há na área e de quais necessitam de acompanhamento adequado. 6) O processo de informatização da atenção primária está lento. Em dezembro de 2020, 24% de todas as unidades de saúde ainda não tinham prontuário eletrônico implantado. 7) Baixa adesão ao tratamento por parte das pessoas. O desafio é grande, mas é preciso que as equipes de saúde adaptem estratégias para diferentes realidades e particularidades de cada território.

Além dos problemas apontados no relatório, Luciana Sardinha, que atuou na área de gestão do Ministério da Saúde por 22 anos, afirma que as linhas de cuidados definidas no âmbito federal são muito amplas. Seria necessário que cada cidade as adaptasse para sua realidade.

Falta também, segundo ela, a participação dos gestores municipais na construção dessas políticas. A alta rotatividade dessas gestões acaba sendo uma barreira. “Sai um, entra outro e muda tudo. Como se nada do que foi construído anteriormente tivesse valor.”

Atualmente, o programa federal Previne Brasil oferece incentivo financeiro para extensão de horário em UBS. Além da adaptação de horários, a incorporação de novas tecnologias, como o teleatendimento, também foi citada como uma potencial ferramenta de ampliação de acesso.

Para os pesquisadores, seria preciso pensar na integração de plataformas que já existem e são amigáveis para o usuário, tendo finalidades muito bem delimitadas.

Para Sardinha, no entanto, a área da saúde sozinha não dará conta da imensa carga que representa as doenças crônicas ao SUS, uma vez que elas são multifatoriais.


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