Alta prevalência e diagnóstico tardio aumentam complicações associadas à condição, enquanto novas estratégias buscam melhorar a prevenção e o tratamento
No dia 6 de dezembro de 2024, o FórumCCNTs realizou o evento interativo online "Doença Renal Crônica: uma pandemia silenciosa - cuidemo-nos!". Reunindo especialistas de diversas áreas, o encontro teve como principal objetivo debater a complexa relação entre a Doença Renal Crônica (DRC) e as condições crônicas não transmissíveis (CCNTs) mais prevalentes, como diabetes e hipertensão. Além disso, buscou-se identificar barreiras à detecção precoce da condição, discutir estratégias para reduzir a dependência de tratamentos de alto custo, como hemodiálise e transplantes, e promover a colaboração entre setores públicos e privados para salvar vidas e reduzir gastos no manejo da DRC.
Durante o evento, especialistas apresentaram dados alarmantes sobre a prevalência e impacto da DRC. A Frida Plavnik, da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), destacou que a condição afeta entre 10,5% e 14% da população geral, alcançando índices ainda mais altos em grupos de risco, como pessoas com diabetes e hipertensão. Com uma mortalidade global crescente – 41% de aumento entre 1990 e 2017 –, a DRC está projetada para se tornar a 5ª principal causa de morte até 2040. Condições associadas, como hipertensão, diabetes e obesidade, potencializam a gravidade do cenário, evidenciando a necessidade de ações integradas e imediatas. Como afirmou Frida Plavnik: "A Doença Renal Crônica é uma 'assassina silenciosa', muitas vezes detectada tardiamente, quando o impacto na saúde cardiovascular já é irreversível."
Além de dados epidemiológicos, os painelistas discutiram a importância de ampliar o acesso a protocolos clínicos atualizados, como os novos PCDTs, e de engajar diferentes setores em iniciativas preventivas. Patricia Vieira de Luca, da Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (AHF), ressaltou o papel fundamental de parcerias estratégicas para abordar a DRC como uma prioridade em saúde pública. A união de esforços entre setores público, privado e terceiro setor, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3.4 e 17 da ONU, é crucial para reverter tendências preocupantes e garantir melhor qualidade de vida para as pessoas em risco ou já diagnosticadas com a condição.
Roberto Pecoits-Filho, da ISN, complementou a discussão ao destacar que a DRC é uma condição tratável e prevenível, mas a falta de diagnóstico precoce ainda é um grande obstáculo. Ele mencionou que, apesar dos avanços no Brasil, como a incorporação de novos medicamentos ao SUS, a implementação eficaz dessas inovações depende de um esforço contínuo para envolver todos os níveis de saúde, especialmente os profissionais da atenção primária. Um exemplo claro desse avanço é a introdução dos inibidores de SGLT2, uma nova classe de medicamentos que representa uma verdadeira revolução no tratamento da DRC. Disponível no Brasil há alguns anos, esses medicamentos foram recentemente incorporados ao SUS e têm um papel crucial na prevenção da progressão da condição. Pecoits-Filho também ressaltou que, além dos inibidores de SGLT2, o Brasil avançou na oferta de medicações como os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e os bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA), que já estavam disponíveis no SUS, mas que ainda precisam ser usados de maneira mais otimizada para alcançar melhores resultados no controle da DRC.
A telemedicina tem sido uma ferramenta essencial para a gestão de pessoas que vivem com Doença Renal Crônica (DRC), especialmente em um país como o Brasil, com sua grande extensão territorial. Lucas Ferreira Campos, da Iana Saúde, destacou a importância da telessaúde para conectar pessoas com especialistas, garantindo que aqueles em regiões mais distantes ou com escassez de nefrologistas possam receber a orientação necessária. Além disso, a telemedicina tem facilitado a educação da pessoa, fornecendo informações contínuas e materiais educativos através de plataformas digitais como o WhatsApp, o que ajuda no engajamento e adesão ao tratamento. A possibilidade de acompanhamento remoto também contribui para melhorar a adesão ao tratamento, reduzindo barreiras como o deslocamento e a perda de tempo, fatores que frequentemente dificultam o comparecimento às consultas presenciais.
Patrícia Abreu, da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e nefrologista com 30 anos de experiência, compartilhou dados relevantes sobre a doença renal crônica, destacando a importância do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para atenuar a progressão da condição e sua implementação na atenção primária. Ela mencionou que, atualmente, cerca de 9% a 10% da população brasileira possui alguma forma de doença renal crônica, o que representa aproximadamente 20 milhões de pessoas. Desses, cerca de 2% (aproximadamente meio milhão) necessitam de acompanhamento especializado com nefrologista. Patrícia também trouxe à tona os dados preocupantes da mortalidade de pessoas em diálise, que chega a 16% ao ano, com 50 mil novos casos de diálise anualmente e 27 mil óbitos registrados em 2023. Ela também destacou que a doença renal crônica é predominantemente causada por hipertensão e diabetes, e que, à medida que a função renal piora, aumenta significativamente o risco de morte por condições cardiovasculares.
Em relação ao tratamento, a médica ressaltou a recente incorporação da dapagliflozina no protocolo do SUS para pessoas com doença renal crônica. A dapagliflozina, um medicamento que melhora o funcionamento do rim, foi incluída no protocolo para pessoas com taxa de filtração glomerular entre 25 e 75, sendo indicada para pessoas com diabetes independentemente da albuminúria e para pessoas sem diabetes com albuminúria/creatinina maior que 300 mg/g. "Esse medicamento melhora o funcionamento do rim e prolonga sua vida útil, diminuindo hospitalizações e mortalidade", afirmou Patrícia.
Para a prevenção e diagnóstico precoce, ela enfatizou a necessidade de uniformizar o uso de exames como creatinina e a fórmula CKD-EPI para calcular a taxa de filtração glomerular nas unidades de saúde do Brasil. Ela também abordou o desafio da falta de nefrologistas no país, com apenas 4.000 especialistas para atender a milhões de pessoas afetadas pela condição.
Vinícius Lima, da Secretaria Municipal de Saúde de Niterói, apresentou um panorama positivo da saúde no município, com 56% de cobertura pela Estratégia de Saúde da Família e avanços na regionalização das policlínicas. Destacou a redução de filas para terapia renal substitutiva e a atenção a condições crônicas como hipertensão, diabetes e obesidade, o que resultou em menor mortalidade. Mencionou ainda iniciativas como a criação de centros diagnósticos nas policlínicas, fortalecimento da imunização e a necessidade de um censo populacional para mapear fatores de risco e aprimorar as políticas públicas de saúde.
Carmen Moura, do Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES) do Ministério da Saúde, destacou os desafios enfrentados pelo Brasil no combate à doença renal crônica (DRC), uma condição caracterizada por alta carga e múltiplos fatores de risco, como hipertensão, diabetes, sedentarismo e maus hábitos alimentares. Ela ressaltou que, apesar da existência de políticas de atenção básica, ainda há lacunas significativas na atenção especializada, especialmente em regiões como Norte e Centro-Oeste, que enfrentam escassez de serviços. "Em 2023, foram repassados R$ 4 bilhões para terapia renal substitutiva", destacou, evidenciando o grande investimento necessário. Carmen também enfatizou que a criação da Política Nacional de Atenção Especializada foi um marco importante, sendo a primeira vez que o Brasil possui uma política direcionada à atenção especializada, com foco na qualificação do cuidado e na ampliação da oferta de serviços. Ela mencionou ainda a previsão de R$ 2,4 bilhões para 2025, que será direcionado ao Programa Nacional de Expansão e Qualificação da Atenção Ambulatorial Especializada (PMAE), visando a redução de filas e aumento do acesso aos especialistas. Além disso, foi ressaltada a importância da telessaúde e do uso de tecnologias para garantir um diagnóstico precoce e tratamento eficaz, incluindo a implementação de novas funcionalidades no prontuário eletrônico do SUS para rastrear a DRC, como a calculadora da taxa de filtração glomerular.
O debate sobre a implementação das mais atuais recomendações e Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) para a doença renal crônica no Brasil foi conduzido com foco nas barreiras e soluções possíveis em um país de grandes dimensões. Patrícia Abreu destacou que, apesar dos desafios logísticos, existem soluções simples e eficazes para diagnóstico, como o exame de creatinina e o cálculo da taxa de filtração glomerular (TFG), que são amplamente acessíveis e essenciais para o diagnóstico precoce e estratificação de risco. "Esses dois exames são simples, eficazes e compreendidos por qualquer profissional clínico", afirmou a especialista. Ela também ressaltou que, no Brasil, 70% das pessoas com doença renal crônica são pessoas com hipertensão e diabetes, condições tratadas com protocolos já consolidados no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a introdução de medicamentos como a empagliflozina, que já está disponível para pessoas com doença renal crônica para pessoas sem diabetes em 12 estados, pode gerar um impacto econômico significativo, reduzindo hospitalizações e retardando a necessidade de diálise.
Roberto Pecoits-Filho enfatizou a importância da atenção primária no manejo da doença renal crônica, especialmente considerando a capilaridade dessa estrutura no Brasil. Ele sugeriu que, embora a atenção especializada seja necessária, a doença renal crônica deve ser tratada como um problema de saúde pública que depende da integração com a atenção primária. "A doença renal crônica não é um problema de especialista, é um problema de saúde pública", afirmou, destacando que a atenção primária tem a capilaridade necessária para alcançar todas as pessoas, incluindo os que vivem em municípios menores, sem acesso a nefrologistas. Frida Plavnik completou a discussão mencionando a importância da abordagem multidisciplinar no tratamento da doença renal crônica, considerando que muitas pessoas necessitam de acompanhamento nutricional e de outras áreas além da nefrologia. "A abordagem multidisciplinar no tratamento de pessoas com condições crônicas é fundamental", concluiu, destacando a necessidade de um acompanhamento mais amplo e integrado para retardar complicações e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
O evento proporcionou uma rica troca de experiências e reflexões sobre a abordagem da doença renal crônica no Brasil, destacando a importância de ações integradas entre os diversos níveis de atenção à saúde. A partir das discussões, ficou claro que, apesar dos desafios impostos pela vastidão territorial do país, é possível implementar soluções eficazes, como o uso de exames simples e o incentivo ao diagnóstico precoce, que podem transformar o cenário atual da doença renal. A participação ativa da atenção primária, a capacitação dos profissionais de saúde e a integração das equipes multidisciplinares surgiram como pilares fundamentais para o sucesso no enfrentamento da condição. Além disso, a adoção de medicamentos inovadores e o fortalecimento das políticas públicas de acesso a tratamentos são essenciais para retardar a progressão da condição e melhorar os desfechos para as pessoas.
O evento destacou a necessidade urgente de um esforço coletivo e coordenado para a implementação de novas estratégias que garantam um cuidado contínuo e eficaz à população brasileira. Especialmente para aqueles em risco de desenvolver a doença renal crônica, a colaboração entre os diversos níveis de atenção à saúde, a capacitação dos profissionais de saúde e a adoção de tratamentos inovadores são essenciais para melhorar os desfechos clínicos e evitar a progressão para estágios mais avançados da condição. A integração entre a atenção primária e especializada, junto com políticas públicas que promovam o diagnóstico precoce e o acesso a medicamentos de baixo custo, foi ressaltada como a chave para transformar o panorama da saúde renal no Brasil e garantir um futuro mais saudável para os cidadãos em todo o território nacional.
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