top of page

Agrotóxicos causando câncer, até quando vamos aceitar?

  • Foto do escritor: FórumDCNTs
    FórumDCNTs
  • 27 de mar.
  • 5 min de leitura

Por Maira Micheletti


Em documento elaborado pelo FórumCCNTs e seus parceiros, entregue ao Ministério da Saúde em 15/05/2024, os profissionais apresentaram sugestões para a regulamentação e implantação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (Lei nº 14.758/2023)1. As proposições foram realizadas de forma ampla, a partir da análise geral da condição e de seus fatores de risco, com a apresentação de possíveis ações relevantes para a prevenção e o tratamento do câncer no país. Um dos temas contidos nesse documento, mais detalhado abaixo, é a necessidade de medidas para restringir o uso - especialmente abusivo - de determinados agrotóxicos cancerígenos no país.

Foto: Freepik
Foto: Freepik

A definição de "agrotóxicos" encontra previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, conforme a Lei nº 14.785/2023, com redação conferida pela Lei nº 15.070/2024, nos seguintes termos:


Art. 1º - A pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem, a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e das embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, de produtos de controle ambiental, de seus produtos técnicos e afins são regidos por esta Lei.

(...) 

XXVI - agrotóxicos: produtos e agentes de processos físicos ou químicos isolados ou em mistura com biológicos destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e no beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens ou na proteção de florestas plantadas, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos;


O uso indiscriminado de agrotóxicos impacta negativamente a biodiversidade e os ecossistemas, devido a sua potencialidade de contaminação do solo, da água e dos alimentos2. Além disso, sua utilização ostensiva cria um ciclo vicioso, ao fortalecer a capacidade de resistência das pragas possibilitar o surgimento de novas espécies mais resistentes, o que, consequentemente, aumenta a necessidade de doses maiores e impulsiona o desenvolvimento de novos produtos ainda mais agressivos ao meio ambiente e à saúde da população3.


Apesar dos efeitos deletérios desses produtos, sua utilização em massa persiste no território nacional. O Brasil é responsável por consumir cerca de 20% de todo o agrotóxico comercializado no mundo e, no período de 2000 a 2014, houve um aumento de 135% no consumo desses produtos no país4. As pesquisas ainda indicam que o Brasil possui um dos mercados menos restritivos, com 504 registros autorizados. Em comparação com a União Europeia, até 30% dos componentes permitidos nacionalmente são vedados nos países europeus4, conforme exemplificado na tabela abaixo: 

Agrotóxicos

Problemas relacionados

Proibido ou restrito

Abamectina

Toxicidade aguda e suspeita de toxicidade reprodutiva do ingrediente ativo (IA) e de seus metabólitos

Proibido na Comunidade Europeia

Acefato

Neurotoxicidade, suspeita de carcinogenicidade e de toxicidade reprodutiva e necessidade de revisar a ingestão diária aceitável (IDA)

Proibido na Comunidade Europeia 

Carbofurano

Alta toxicidade aguda, suspeita de desregulação endócrina

Proibido na Comunidade Europeia e nos Estados Unidos

Cihexatina

Alta toxicidade aguda, suspeita de desregulação endócrina e toxicidade reprodutiva

Proibido na Comunidade Europeia e na Índia (autorizada só a produção); a ser proibido no Brasil a partir de julho de 2013

Forato

Alta toxicidade aguda e neurotoxicidade

Proibido na Comunidade Europeia e nos Estados Unidos

Fosmete

Neurotoxicidade.

Proibido na Comunidade Europeia

Glifosato

Casos de intoxicação, solicitação de revisão da ingestão diária aceitável (IDA) por parte de empresa registrante, necessidade de controle de impurezas presentes no produto técnico e possíveis efeitos toxicológicos adversos

Revisão da ingestão diária aceitável (IDA)

Lactofem

Carcinogênico para humanos

Proibido na Comunidade Europeia

Metamidofós

Alta toxicidade aguda e neurotoxicidade

Proibido na Comunidade Europeia, na China e na Índia; a ser proibido no Brasil a partir de julho de 2012

Paraquate 

Alta toxicidade aguda e toxicidade

Proibido na Comunidade Europeia

Parationa Metílica

Neurotoxicidade, suspeita de desregulação endócrina, mutagenicidade e carcinogenicidade

Proibido na Comunidade Europeia e na China

Tiram

Mutagenicidade, toxicidade reprodutiva e suspeita de desregulação endócrina

Proibido nos Estados Unidos

Triclorfom

Neurotoxicidade, potencial carcinogênico e toxicidade reprodutiva

Proibido na Comunidade Europeia; proibido no Brasil desde 2010

Quadro expositivo dos ingredientes ativos de agrotóxicos banidos ou em reavaliação com as respectivas restrições ao uso no mundo, retirado do Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde5.


4 - O câncer consiste em um grave problema de saúde pública, que vem apresentando níveis de aumento exponencial ao longo dos anos. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, no ano de 2022 foram registrados, no mundo, cerca de 20 milhões de novos casos da condição, o que acarretou o óbito de aproximadamente 9,7 milhões de pessoas6. À semelhança do cenário mundial, o número de casos no Brasil também é expressivo. Pesquisadores do Instituto Nacional de Câncer (INCA) estimam que, no triênio de 2023-2025, sejam esperados 704 mil novos casos de câncer7.


O câncer é uma condição complexa, relacionada à sequência de genes e às interações ambientais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem indicativos de associação entre alguns tipos de câncer e a exposição a agentes químicos, físicos e biológicos8. Os agrotóxicos atuam como disruptores endócrinos (DE), ocasionando distúrbios ligados à reprodução humana e impactando diretamente a síntese, o transporte, o armazenamento, a ligação e a atividade dos hormônios naturais, fatores associados ao risco de câncer8.


A título ilustrativo, é possível citar um estudo desenvolvido no Rio Grande do Sul que concluiu pela associação entre a intensidade de utilização de agrotóxicos e mortalidade por câncer de próstata, linfoma não Hodgkin e leucemias9. Por sua vez, em pesquisa realizada com o público infanto-juvenil – em que a maioria de casos de câncer (80%) possui relação com o ambiente – foi observada uma correlação positiva entre o aumento do consumo de agrotóxicos e o crescimento do coeficiente médio de intoxicação crônica (câncer infanto-juvenil)10. Os estudos ainda indicaram a associação entre altas taxas de mortalidade decorrente de câncer de mama, útero e próstata ao elevado consumo de agrotóxicos nos estados de Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo11.


Cabe observar que os achados dos pesquisadores brasileiros estão em harmonia com os estudos desenvolvidos pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC). No ano de 2015, a IARC avaliou Ingredientes Ativos de Agrotóxicos e classificou oito deles como prováveis carcinógenos –  Lindano, DDT, Glifosato, Malationa, Diazinona, 2,4-D, Parationa e Tetraclorvinfós12.


Nesse sentido, diante da potencialidade de risco à saúde da população nacional pelo uso massivo de agrotóxicos e da alta permissividade existente no território nacional, entidades conceituadas vêm demandando uma atuação mais rigorosa do poder público. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) emitiu nota de posicionamento, na qual destacou a necessidade de inclusão dos agrotóxicos na avaliação das agências internacionais13. Por sua vez, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) vem reiteradamente se posicionando contra a flexibilização da regulação do uso de agrotóxicos no país, ressaltando a correlação existente entre seu uso e o aumento do número dos casos de câncer no território nacional14.


Comments


bottom of page